Comprar por 100 e vender por 200 era o que Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, costumava dizer para justificar o sucesso do seu negócio.
No passado, até que o mantra poderia dar certo. Na era de e-commerce, cliente mais exigente e consciente e revolução nos hábitos de consumo, a prática não funciona mais.
Quem garante são os especialistas em formação de preços. E neste momento de inflação beirando os 10% ao ano, dizem eles, vai sobreviver só quem não errar no preço.
Definir o preço de um produto é uma das maiores dificuldades do pequeno empreendedor brasileiro, de acordo com Felipe Chiconato, consultor financeiro do Sebrae SP.
Das cerca de 1.400 consultorias que deu no último ano, diz ele, pelo menos 70% estavam focadas em ajudar os empresários a estabelecer preços para os seus produtos.
Depois da Covid-19, cerca de 80% das demandas de clientes de Gustavo Marques, consultor financeiro especializado em varejo, estão concentradas em precificação.
“Estou há 12 anos no Sebrae e nunca trabalhei tanto quanto neste período de pandemia. O empreendedor se dá conta que está com preço errado quando a economia está ruim”, diz.
Na última quarta-feira (05/01), Chiconato deu consultoria para cinco empreendedores. “Em quatro delas, eles me pediram para ensinar como definir preços.”
“Como a receita caiu, a participação das despesas fixas subiu. Soma-se a isso a alta da inflação. Resultado: uma tempestade perfeita para causar uma tragédia nas empresas”, diz Marques.
NÃO TEM FÓRMULA
A precificação começa a incomodar o empreendedor, de acordo com Chiconato, quando a conta da empresa não fecha.
Isto é, quando a despesa é maior que a receita e a operação não dá mais lucro.
Em tempo de custos em alta e temporada de promoções e liquidações no comércio, a pressão sobre as finanças das empresas só aumenta.
Diferentemente do que muitos empresários entendem, não existe uma fórmula pronta para chegar ao preço de uma mercadoria.
“O preço não é definido por uma conta matemática. Há outros aspectos que o define.”
É claro, diz Chiconato, que o preço não pode ser menor do que o custo do produto mais impostos, frete, comissões e taxas pagas para administradoras de cartões, marketplaces.
O empreendedor tem de olhar também o preço dos concorrentes e estabelecer um posicionamento da marca ou do produto. Isto é, a faixa de valor que vai disputar no mercado.
O exemplo que ele dá é de um X-salada, sanduíche formado por pão, carne, queijo, alface e tomate.
O X-salada de uma padaria pode custar R$ 10, e o de uma hamburgueria gourmet, R$ 40.
“Em qual faixa de preço o empreendedor quer se posicionar?” Esta é a pergunta que precisa ser respondida para qualquer tipo de produto.
O empresário também precisa identificar qual é a percepção de valor que o cliente tem de seu produto e ou serviço.
“Se ele disser que o seu hamburguer é um clássico dos anos 70, pode agregar mais valor para o produto? Ninguém consegue vender para todo mundo. Precisa identificar o cliente-alvo”, diz.
Neste cenário de instabilidade econômica, o empresário não pode simplesmente ficar preso, por exemplo, ao que faz uma grande marca.
“Uma loja que vende camiseta básica não pode subir R$ 1 o preço só porque a Hering subiu R$ 1 o preço na semana anterior”, afirma.
Os lojistas que buscam por sua consultoria, diz ele, tendem a multiplicar por 2 ou por 2,5 o preço que pagaram pelos produtos para estabelecer o deles.
Na verdade, diz ele, isso não está errado, mas é uma prática que funciona como uma loteria.
“Pode dar certo, como pode não dar. O momento atual exige um controle muito mais apurado dos custos para formar os preços, inclusive na casa de centavos.”
Os dissídios dos trabalhadores no comércio precisam ser considerados, diz ele, assim como os aluguéis, que chegaram a subir 30% em 12 meses com correção pelo IGP-M.
É preciso também, neste momento, ter muito cuidado com promoções e liquidações.
Uma cliente de Marques do setor de vestuário colocou por R$ 190 um modelo de calça jeans que, para não ter prejuízo, teria de ser vendido a R$ 198, no mínimo.
“Essa empreendedora multiplicava tudo por 2,3. Se pagava R$ 100 por uma calça, vendia a R$ 230. Para ter uma margem boa, na verdade, ela teria de multiplicar por 2,4”, diz.
Leyre da Silva Pinto, diretor da rede de franquia Código Girls, diz que cada grupo de produtos de sua rede tem uma margem sobre o custo.
“No jeans aplicamos 1,2, nas peças básicas de alto giro, 0,9, nas diferenciadas, 2,5. Às vezes, reduzimos os preços em uma das lojas por conta da concorrência local”, afirma ele.
Neste período de inflação, de acordo com Marques, o lojista precisa ter bem claro os itens que vendem mais e os que vendem menos, e antecipar as compras dos mais demandados.
“Um cliente vendia bem bombas para piscina, e o que ele fez foi comprar mais este produto. Quando dobrou de preço, ele repassou só uma parte, ficando competitivo no mercado”.
De acordo com ele, fazer estoque de produto que vende, e não é perecível, é um bom negócio em época de inflação alta, pois o lojista não pode cair na armadilha de subir preço todo o mês.
A mesma fórmula que teria dado certo para o fundador da Casas Bahia, comprar por 100 e vender por 200, não teria a menor chance de dar certo hoje, diz ele, com o e-commerce.
Tem empresário que compra por 100 e vende por 160, diz Marques, porque consegue ter custo menor na operação.
Abaixo, Marques dá algumas pistas de como definir preços em época de inflação elevada.
Há empresas especializadas em pesquisa de preço de mercado, com ênfase em gestão de preços e sortimento de produtos, capazes de dar um norte para os empreendedores.
“O empresário costuma fazer o preço olhando para o próprio umbigo. Ele desconhece a concorrência e a percepção do cliente em relação à sua loja”, afirma Fernando Menezes, diretor da Pesquise Já.
Menezes pediu recentemente para um cliente supermercadista dar uma lista de produtos que, em sua percepção, eram mais baratos do que os da concorrência.
Pesquisa feita pela Pesquise Já constatou que apenas dez dos cem produtos listados eram de fato mais baratos e que os clientes não tinham essa percepção.
“A loja tem de estudar os concorrentes e os clientes e definir estratégia de preços”, afirma Menezes.
Neste momento de inflação em alta, escassez de matéria-prima e dólar caro, o varejista, diz ele, precisa acompanhar os passos da concorrência e renegociar com os fornecedores.
Para Menezes, o lojista deve trabalhar com mix de margens por produto, uns com 20%, outros com 50% ou 70%, por exemplo, não adotar um percentual para todos.
Ele recomenda que os lojistas estudem as novas soluções que existem no mercado brasileiro para gestão de preços, que podem ser uteis neste momento.
Para Fernanda Sales, especialista em precificação da InfoPrice, neste período de inflação elevada não tem outro jeito, os lojistas vão ter de sair do conforto.
Além de estudar a concorrência e o cliente e fazer pesquisa, eles terão de monitorar a participação de mercado para conhecer o posicionamento atual e qual querem atingir.
“Pricing não é só preço. O lojista precisa do comercial para comprar melhor, do marketing para fazer as promoções, do produto para não faltar mercadoria na loja”, diz.
Abaixo as dicas de Fernanda para o lojista cuidar do preço neste momento.
Fonte: https://dcomercio.com.br/categoria/gestao/lojista-inflacao-exige-precisao-na-hora-de-definir-precos
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